FALEM-ME DOS MEUS ERROS

Falem-me dos meus erros
E não dos meus desejos e sonhos!
Falem-me dos meus enganos
E não dos meus afazeres belos!
Falem-me dos meus medos
E não dos meus eus seus!
Falem-me das minhas entranhas
E não do meu coração, cérebro e esqueleto!
Falem-me de mim
E assim eu falarei de vocês para mim…

 

DO JULGAR

O que os outros julgam
Não me interessa: saber
O que é e o que se é
É a arte dos apreciadores
Dos poetas livres e esbeltos
Dos pergaminhos libertos e belos

O que os outros julgam
Não me interessa: pensar
O que não é e o que não se pode;
É a arte dos reducionistas
Dos filósofos reducionistas
Dos reduzidos pensadores libertos e esbeltos

O que os outros julgam
Interessa só a mim: pois
Saber e pensar é falho
Quando se não sabe nada
E eu sou nada mais que outro julgador!

 

ODE FALHA, a Álvaro de Campos

Entre arranhões e torcidas
Movo-me; o que me move me consome,
Arde em minha boca, arde em meus olhos,
Queima minhas veias mortas, meus passados atrasados,
Minhas opções insaciáveis de deixar de ver o futuro
Em cada órgão das ruas, em cada medo dos muros
Caindo sobre os céus tortos… e nada mais prezo!

Frio da Morte, frio do Pensar;
Doces harmonias só me fazem calar
Perto da monotonia que me faz gritar de dor,
Doce dor… masoquista? Não: mas quem me conquista?

Perto das horas paradas, vejo carros confusos
Cavalos de vapor, rodas de pele, olhos em faróis,
Bocas em portas, mãos em guarda-chuva e vazios em
Cada mundo que estranho e deslumbro…

Cava-me, leitor, cava-me!
Torna-me instrumento último e vago
De uma orquestra esquecida e já válida no Reino das Alegrias!

Cava-me, por favor, cava-me!
Torna-me fruto meu, mas de árvore diferente:
Vazia, torta, morta e sublime entre cachos de uva doce!

Sê meu filho amado;
Sê meu tesouro torto;
Sê minha história vazia;
Sê meu ânimo morto;

Sê eu; sê outros, e sê só tu!
Sê fraco e forte;
Sê escuro e claro.
Sê fraco e forte em si,
E escuro e claro só em mim!

Perto, pois, da aurora vaga,
Vejo pergaminhos antigos
De outros poetas e filósofos
Que mais sabem ao não saberem coisa alguma.

Longe, pois, da noite clara,
Vejo máquinas novas
De outros escritores e pensadores
Que mais sentem quando sentem o que jamais sentiram.

Aqui, só há morte, tortura e vazio… mas o Amor ainda é um cacho de uvas doce ao luar…